21 abril 2011

Vale dos ossos secos

No balanço da rede
Alcanço os calcanhares das nuvens
Um copo no chão derramado a sede
Em uma manhã sonolenta e seus costumes

Não há formas que coordene os ossos
Que pouco a pouco, apodrecem
Em volta dos mesmos destroços
Que aqui escrevem

O mundo segue um ritmo maquinário
Sobre um chão anti-rural e impuro
No céu soberano um sol pardo
Guiando os rabos aos estrumes.

P.A

19 abril 2011

As folhas viradas

Como eu queria voltar no tempo
Escrever poemas bobos para as namoradas
Rimar amor com dor
Não ter no beijo, hálito de cigarro


Voltar a sonhar os sonhos dos meus pais
Encher minha irmã de perguntas sem respostas
Desenhar borboletas que voam no céu lilás
Ser virgem como nossa gruta na roça


O que importa?
O tempo que passa
É sempre um tempo feliz

P.A

16 abril 2011

O trabalho

É um livro desinteressante,
Que deve ser lido em galopes,
E sem demora,
Adormecido na estante.
Não se atribule com a poeira,
Há de causar alguma tosse!
Mas de antemão já medico:
(Respire um ar puro, e descanse)
Caso queira relê-lo,
Adie! Não há de ser tão importante.

P.A

A moça em flores

Você sorriu ludibriante em vestes florais,
(A valsa, o lustre e o salão),
Que antes formavam melodicamente:
Um carrossel de múltiplas sintonias e cores.


Agora apenas incolores, imóveis, petrificadas,
Quase uma não-materia, ofuscada, opaca.
Dissolvendo acinzentada,
No vermelhidão de seus lábios.


Trazia a tira colo contigo.
Um desses “play boys” afortunados,
Que vivem com a cabeça no cio.


Ao meu lado também sambava,
Uma dessas senhoras de brio,
Que compõe em vozes roucas,
Sonetos corporalmente pornográficos.


Cada qual com seu par,
Como se avesso,
Dançássemos descasados.


Minha visão me levou em devaneios!
Teu corpo hora despido,
Hora vestido da nudez aflorada
Daquele vestido.
Fez do poeta um mero representante
De um momento nao vivido.




P.A

03 abril 2011

Embriagar nosso

Beber é colocar para dentro uma vida, a-flora.

27 março 2011

Cabeça de Vento

Há dias que penso por um dia inteiro
em outros me ataca a desmemoria
disperso do meu corpo, e contemplo telhas
Navego mar acima, e carrego: carcaça
mordaça, navalha, cacos e espelhos destorcidos
Não escuto a voz das minhas próprias poesias
minhas vozes se confundem e se – fundem
com outras sonoras poluídas
As concordâncias pouco concordam entre si
& sinceramente eu não sei onde está o meu verso
O arregaço das mangas logo cedo
os pássaros cheios de audácia
nas escadarias
o acordar de um bebum pela garganta
Tudo passa pelos meus olhos
e des-passa por eles no vento

                                                                 P.A

23 março 2011

Decorar palavras, ou esquecer a vida

Tudo se resume em palavras decoradas. A vida, o corpo e o costume de
decorar palavras.



                                                                      P.A

19 março 2011

Donos do poema

Lobos de gala, que uivam salivantes
(seus corpos, entre – corpos)
compondo um des-passar do existente
Olhares que se cruzam:
desnudados, albinos, extra-raros
pernas que se - intercalam
no embalo da inquietude

rangeres de dentes, unhas cravadas pelas paredes
Rudes, bárbaros: Amantes!
Influencias para o verso. Perversos, distantes

Donos da noite, do tempo
Do consolo e do antes
Donos da lembrança
& do des-memoriar constante.

                                                                                                      P.A

10 março 2011

Os erros ortográficos na penumbra

Carruagens escarlates decaem
no caminhar noturno,
Nuvens cor-de-rosa florescem
nos olhos enigmáticos.

Uma criança “uivando” para a lua
causando um efeito fantasmagórico
Um buque de fantoches
espelhados na parede branca

cuspindo gargalhadas estridentes
na presença de holofotes cansados
espectadores dos horrores casuais

Tudo em volta de um papel raso
sobre os controles remotos
de ossos esfumaçados
& peles comoventes.

                                                                          P.A

08 março 2011

Entre caminhos que não caminham

Ando tão distante de ti
imóvel, seco
O corpo insepulto mergulha
nos instantes quilométricos
da minha não-vida



Não me roubas no jantar
com meus filhos
Não me enche de vomito
não me esvazia 



Levou minha ultima dança
e num relança
levou-me um porão   



Como de costume
pasmo meus olhos
na claridade, feito cego.

                                                                                            P.A

14 fevereiro 2011

A realidade dos tempos

Eu já li todos os livros
que na sua cabeceira
você guarda encaixotados

(poesias, crônicas e átomos)

disponho de muito tempo
você bem sabe
você pouco sabe dos meus tempos

e dos pensamentos
com a moça semi-analfabeta
que mora ao lado

Ela não diz certas coisas
depois do sexo
mas enquanto sexo

(onomatopéias bolinam meus ouvidos)

Seus livros
não são tão ricos
como aquela moça

Aquela moça
não é tão rica
como seus livros.

12 fevereiro 2011

Oscilações

Aquela assombrosa tempestade noturna
lençóis, proa, pernas. As sobras em ação
refletindo na parede oca: vômitos de entranhas
para as entranhas, submersas no mar inconsciente

[escarrei aquele naufrágio num esbugalhar]


Fitei minhas mãos, antes marinhas
e sobre a face, as repousei
pus-me a soluçar freneticamente
pus-me a devanear
nas ondas sonoras de Chet Baker


Era mais uma coruja infâmia
gritando ferozmente aos meus ouvidos
seduzindo-me em tua seda obscura
partindo a moral de minha cama casta


internando-me nas lacunas da loucura
& num ato insano, fixava meus olhos
nos louros de Lou Salomé


[Conformado com minha existência não espelhada]

caminhavam às cegas vistas
sem brilho, cor, ou decoro
apenas um quadro negro que perdurava
no roteiro irreal do meu psiquismo.

P.A

A partida dos Campos

Os campos
tristes, ( observo-os)
Não são tão belos como antes
perderam o desalinho do vento
perderam a pulga da palavra
tornaram-se para colheita
mães inférteis, escassos
Convenhamos,
é lastimoso presenciar
o tão doloso partir
dos campos em mãos tremulas.
P.A

06 fevereiro 2011

O solitário cozinheiro dos estômagos decapitados

No acorde alarmante do galo
acordo aos olhos pasmos
De prontidão
surge então o reflexo dilacerado


[Noto as veias, que envergam-se em auto- relevo]


Tão em dó canta o galo
expectador primário
da minha velheira


Logo vem a hora dos cangaceiros
& com eles
a orquestra demoníaca em punho
sobre a mesa


Bravos homens
bravos com a fome
em cima da sua própria roliça
aos comes.

                                                                                              P.A

24 janeiro 2011

Homens que repetem silêncio

Quando a noite toca teu sonífero soneto
Decreta nos olhos peso
E nas declarações por vim, se vão...
Nas tuas mãos uma crença e um apelo


Com honrosa submissão
Aos seus atos não cometidos
Em seu peito
Alem de amor, habita sigilo


Ah, silêncio...
Navio de homens que gritam
Para sereias surdas.



Seus lábios vivem alvoroçados
No desejo incontrolado de dizer
Mas apenas repetem: silêncio.




P.A

22 janeiro 2011

Extra-cotidiano

Ah! A vida bucólica
os olhos do boi brilhando
ao ver o mato verde
A mesa, o café
e o dia que passa sem pressa
o suor dos moços
deixado no canavial
as abelhas e seus ferrões suicidas
seus idealismos recheados de mel
porcos sujos comendo lavagem 
crianças nuas cobertas de liberdade
sonhos semeados pela enxada
pedras perdidas nas pastagens
rosas, cravos e bananeiras
nascendo logo depois da capinagem
os pássaros cortando o céu
entoando seus cânticos renitentes
o queijo na forma, a broa de saída
a galinha atrevida explorando a varanda
Ah! A vida de beleza a pinta
Quando breve é mesmo bela.


P.A